Segundo Reis, os crescimentos energético e econômico se influenciam, positiva ou negativamente de acordo com as necessidades estabelecidas pelos padrões de consumo, os quais devem se adaptar a eficiência das novas tecnologias e a forma como serão utilizadas. Todavia, para se atingir um desenvolvimento sustentável faz-se necessário construir uma estrutura capaz de lhe dar suporte, cujos componentes são constituídos pela energia, telecomunicações, transporte, água e saneamento básico.
Contudo, do ponto de vista ambiental, há um paradoxo, pois a busca da sustentabilidade apresenta diversos aspectos que entrarão em conflito com o atual padrão na manutenção da vida, causando desconforto para um grande número de pessoas, as quais desejam ambas as coisas, sem abrir mão de nada em prol da sociedade e do futuro.
A perspectiva da Energia no Mundo (IEA: 2002), contemplou análises em relação ao uso de energia e grau de pobreza nos países em desenvolvimento, descrevendo padrões atuais de uso de energia, tais como as taxas de eletrificação. Em especial, apresenta dados sobre o acesso à eletricidade da população que reside na área rural dos países em desenvolvimento e o modo como esta faz a transição dos combustíveis tradicionais (madeira/lenha, resíduos e esterco agrícolas) para as modernas formas de energia, incluindo estimativas no uso de novas fontes de biomassa. Fornece, ainda, projeções regionais para o ano de 2030, considerando uma análise de cenários com fatores precedentes e tendências avaliadas, nas quais foram contempladas, inclusive, políticas para promover mais investimento no fornecimento de eletricidade com maior disponibilidade para a população menos favorecida, o qual precisará focar várias fontes de energia, inclusive biomassa, para aplicações térmicas e mecânicas, a fim de aumentar a produtividade e as atividades geradoras de renda voltadas para os países em desenvolvimento. Destaca-se que a eletrificação e o acesso aos modernos serviços de energia não garantem a diminuição da pobreza e que, provavelmente, um quarto da população mundial não tenha nenhum acesso à eletricidade. Segundo constatado, quatro entre cinco pessoas 'sem eletricidade' vivem em áreas rurais dos países em desenvolvimento, principalmente, no sul da Ásia e oeste da África. Porém, em virtude do aumento da população que reside em áreas urbanas, este padrão de privação de eletricidade irá mudar, pois para o mesmo período (três décadas) está previsto um crescimento de 95% da população urbana, o que aumentará a demanda e, respectivamente, o consumo de energia elétrica.
Segundo a perspectiva da IEA, o uso extenso de biomassa em modos tradicionais e ineficientes e a disponibilidade limitada dos combustíveis modernos são legitimidades de pobreza nos países em desenvolvimento os quais, também, retêm o desenvolvimento econômico e social, impedindo a maioria das atividades industriais e os trabalhos subseqüentes. (IEA: 2002). As Metas de Desenvolvimento do Milênio (09/2000), fixam objetivos para redução do índice da pobreza, melhorias em saúde e educação e proteção do meio ambiente. O acesso melhorado aos serviços de energia é um componente subjacente ligado à realização destas metas.
Dentre os principais determinantes na transição da biomassa tradicional até o uso de energia moderna deve-se considerar a disponibilidade e as preferências culturais. Até quando as famílias menos favorecidas poderão dispor dos combustíveis modernos? Por um lado, certas residências não poderão usar a energia moderna se esta for muito mais onerosa que a tradicional (nas áreas rurais a biomassa tradicional é freqüentemente vista como algo que está “livre” e prontamente disponível), e por outro, certas tradições determinam a escolha do combustível não importando sua disponibilidade e renda (na Índia, até as casas muito ricas mantêm um fogão à lenha para preparar seu pão tradicional).
De fato, com o aumento da renda familiar, certas escolhas de combustível alargaram. A parte das necessidades básicas no consumo total cai nitidamente quando as famílias prosperam. O consumo da eletricidade é fortemente relacionado com a riqueza. A transição da pobreza de energia até a riqueza relativa é um processo complexo e irregular, variando extensamente de nação à nação, aldeia à aldeia e família à família. De um modo geral, é uma jornada de confiança quase exclusiva na biomassa tradicional para o acesso e uso da eletricidade junto com um alcance de outros combustíveis modernos.
A maioria de países em desenvolvimento têm gás natural e redes de eletricidade inadequados e esta deficiência deve ser obviamente compensada. As pessoas pobres desses países confiam fortemente na biomassa tradicional (lenha) para a culinária e o aquecimento. Então, porque parte da biomassa usada no consumo final tem diminuído desde 1994? Segundo IEA, tem-se a impressão de que está sendo substituída gradualmente por outros combustíveis. Novas indústrias e o setor de transportes dão poder a geração que freqüentemente usa os combustíveis fósseis. Mas madeira (lenha) e outras biomassas continuam a ser usadas em muitas indústrias nos países em desenvolvimento com os mesmos propósitos que as famílias.
Por último, mas não menos importante, Goldemberg faz uma análise do perfil de consumo de energia e as suas perspectivas para as próximas décadas com foco no Brasil. Segundo o autor, energia é um ingrediente essencial para o desenvolvimento, mas assim como no mundo, o consumo de energia no Brasil cresce a cada ano e as principais conseqüências desta evolução são o aumento do consumo de combustíveis fósseis e a resultante poluição ambiental em todos os níveis (local, regional e global).
Mas o Brasil não precisa repetir a trajetória de desenvolvimento seguida pelos países que são hoje industrializados, nos quais o elevado consumo de energia de origem fóssil resultou em sérios problemas ambientais. De um lado, observa-se que houve uma evolução do consumo de energia elétrica e, de outro, que o consumo de petróleo e o de lenha vem se reduzindo em termos percentuais, ao passo que crescem o consumo de cana-de-açúcar e o de energia hidroelétrica. Todavia, o Brasil encontra-se numa situação em que o consumo de energia está crescendo, o que levará certamente à exaustão rápida das reservas de combustíveis fósseis, agravando os problemas ambientais. A pergunta a se fazer é: existem soluções técnicas para este dilema?
A resposta é afirmativa e as soluções são basicamente as seguintes:
i. Melhorar a eficiência com que os combustíveis fósseis são usados, o que reduziria o seu uso e, conseqüentemente, prolongaria a vida das reservas. Com isso, seriam reduzidas as emissões anuais de poluentes.
ii. Aumentar a participação de fontes renováveis de energia, sobretudo as modernas, como a energia eólica e solar;
iii. Acelerar o desenvolvimento e a adoção de novas tecnologias, como células de combustíveis baseadas no uso de hidrogênio, o uso “limpo” de carvão e, eventualmente, energia nuclear em formas que evitem os problemas criados no presente.
Segundo Goldemberg, “a maioria dos equipamentos e processos utilizados nos dias de hoje nos setores de transporte, industrial e residencial foi desenvolvida numa época de energia abundante e barata e quando as preocupações ambientais ou não existiam ou eram pouco compreendidas. Estes são os motivos pelos quais haja tantas oportunidades para melhorias na economia de energia, seja para aumentar a competitividade das empresas, seja para melhorar a imagem pública de indústrias que deixaram de ser poluentes” (2000).
No setor industrial existem diversas “tecnologias horizontais” de conservação de energia que podem ser empregadas, quais sejam: a) componentes básicos (motores/engrenagens, caldeiras de vapor, compressores, etc.) dos equipamentos em todas as áreas da indústria; e b) tecnologias para aplicações individuais (novos sensores, microeletrônica, separação de substâncias a baixas temperaturas ou aquecimento solar para a indústria.
No setor residencial observa-se um consumo de 20% de toda a energia usada. Nos países industrializados, faz-se necessário readaptar as construções existentes à projetos voltados para a economia de energia, porém, nos países em desenvolvimento grandes economias podem ser obtidas melhorando o projeto e a construção de novos prédios, considerando rigorosos códigos de construção para edifícios existentes e novos; certificados energéticos para as construções; incentivos financeiros, tais como redução de impostos e financiamento para os prédios energeticamente eficientes.
Em relação às tecnologias específicas, faz-se necessário atuar com melhorias técnicas junto a aparelhos domésticos, iluminação e aquecimento ambiental, de maneira eficiente e responsável, por exemplo, fabricar somente aparelhos de baixo consumo de energia, sensores que controlam a iluminação de um ambiente de acordo com a sua ocupação e aquecedores solares de água.
Segundo o autor, o setor de transporte “representa 22% do consumo total de energia dos países industrializados, principalmente pelos automóveis. Embora este seja o setor de crescimento mais rápido, a taxa de aumento na demanda por energia no transporte rodoviário tem diminuído na maioria destes países desde o final da década de 60. Isso reflete tanto uma melhoria na eficiência dos veículos quanto uma redução no número de automóveis por moradia”.
Dentre as soluções técnicas para melhorar a eficiência e reduzir as emissões do setor de transporte destaca-se, também, o uso de combustíveis alternativos à gasolina e ao óleo diesel.
Dentre as principais fontes renováveis disponíveis a mais relevante para o Brasil é a energia de biomassa, a qual representa uma contribuição de destaque frente ao consumo de energia no país. De acordo com o texto analisado, “a co-geração de energia, uma prática corrente da produção industrial do etanol no Brasil, reduz os danos ao meio ambiente e poderia ser aumentada significantemente se o desenvolvimento tecnológico acarretasse o uso dos resíduos da cana-de-açúcar, além do bagaço, para a geração de energia”.(Goldemberg: 2000)
Dentre as atividades em novas tecnologias atualmente exploradas para encontrar outros caminhos alternativos para enfrentar a necessidade crescente de energia, bem como reduzir os impactos ambientais do uso de combustíveis fósseis, destacam-se as células de combustível acopladas com turbinas a gás (ou vapor) para a produção de eletricidade ou co-geração de calor e eletricidade e a produção de hidrogênio a partir da redução de combustíveis fósseis (principalmente carvão) e seqüestro de CO2, entre outras.
Considerando o exposto pelos autores em epígrafe, tanto a pesquisa quanto o desenvolvimento voltados para as tecnologias de eficiência energética; aumento da participação de fontes renováveis de energia como a solar, eólica e as 'novas' formas de biomassa, tem papéis relevantes no Brasil e no mundo, pois estas certamente são as novas tecnologias “limpas”, as quais possibilitarão uma distribuição com responsabilidade socioambiental. Portanto, essas iniciativas devem ser sempre incentivadas pelos governos e apoiadas incansavelmente pelas instituições financeiras.
Contudo, vale ressaltar o vínculo entre o uso de energia e a pobreza, considerando o acesso para a eletricidade e outras fontes de energia modernas, como um requisito necessário, mas não suficiente para o desenvolvimento econômico e social. A erradicação da pobreza também exige, entre outras coisas, água limpa, serviço de saúde pública adequados, um bom sistema de ensino e uma rede de comunicação, sendo indispensável o fornecimento e disponibilidade de uma energia com preços acessíveis.
Todos os autores resenhados ressaltam a relação entre os níveis de dependência energéticas entre alguns países, cuja falta de domínio tecnológico-financeiro para exploração os submete à ineficiência no uso da energia e a desigualdade na distribuição dos serviços, bem como as características do consumo da biomassa em regiões à depender da disponibilidade do recurso, acessibilidade aos combustíveis comerciais, preferências e rendas culturais.
Em trinta anos, a biomassa continuará a representar a maior parte da energia residencial disponível em alguns países no leste da Ásia. Em muitos países em desenvolvimento, como é o caso do Brasil, o consumo da biomassa continuará a aumentar em condições absolutas, entretanto seu uso necessita de regulamentações específicas e de novas tecnologias de combustão, de modo a melhorar sua eficiência, qualidade e disponibilidade.
“Nos países onde menos de 5% da população é pobre, o consumo per capita de energia é quatro vezes mais alto que nos países onde mais de 75% da população vive abaixo da linha de pobreza”. (IEA: 2000)
- Lista de referências analisadas:
a) REIS, Lineu Belico dos. Energia, recursos naturais e a prática do desenvolvimento sustentável. SP: Manole, 2005. pp. 23-29, 58-71. b) IEA (Agência Internacional de Energia). Capítulo 13: Energy and Poverty. 2002. 46 páginas.
c) GOLDEMBERG, José. Pesquisa e Desenvolvimento na área de Energia. 2000. pp. 91-97.