Tuesday, November 3, 2009

UHE Belo Monte de problemas



São Paulo, segunda-feira, 02 de novembro de 2009


TENDÊNCIAS/DEBATES
Folha de SP

Belo Monte de problemas
SÔNIA BARBOSA MAGALHÃES e FRANCISCO DEL MORAL HERNANDEZ


Não há motivo para aceitar que o EIA de Belo Monte tenha falhas
metodológicas graves e oculte regiões diretamente afetadas



NAS ÚLTIMAS semanas, foram abundantes as notícias sobre o projeto
hidrelétrico de Belo Monte (PA). Somaram-se às notícias sobre as polêmicas
audiências públicas o não menos polêmico parecer da Funai, a expectativa
de uma licença pré-anunciada e, sobretudo, as manifestações de índios,
ribeirinhos e lideranças sociais locais.
Nesse rol, reiteradas referências ao trabalho realizado por um painel de
especialistas, protocolado no Ibama, que tece considerações sobre alguns
dos principais problemas da usina de Belo Monte.
O problema de fundo é o planejamento energético. Por um lado, assentado na
expansão da oferta, minimiza o gerenciamento e a reflexão sobre a demanda
e desconsidera uma visão global sobre o uso extensivo dos rios no contexto
de suas bacias, especialmente da bacia Amazônica.
Por outro, baseia a sua
oferta em um modelo de desenvolvimento suportado pela exportação de
eletrointensivos.
Repete-se o mantra: o Brasil não pode viver sem Belo Monte (?). Se é
assim, isso deveria ser demonstrado. Por que não o fazem? Porque isso não
é demonstrável.
Pois bem, nós, especialistas, debruçamo-nos sobre o estudo de impacto
ambiental de Belo Monte, ou seja, sobre seríssimas consequências
ambientais, problemas técnicos, indefinições que suscitam dúvidas até
sobre a saúde financeira do projeto -a pouca energia efetivamente gerada
diante da potência instalada: a energia firme é apenas 39% do total.
Sabemos que todos os empreendimentos hidrelétricos geram passivos
ambientais pesadíssimos, ampla e tragicamente comprovados nos estudos
sobre a hidroeletricidade no país. Isso, porém, não é motivo para aceitar
que o EIA de Belo Monte apresente falhas metodológicas graves e oculte
regiões diretamente afetadas, subestimando impactos que incidem
diretamente sobre o custo da obra, o risco do empreendimento e o destino
de milhares de pessoas.

Ante tamanhas omissões e falhas, evidenciamos a sua insustentável
viabilidade. Por quê? Porque havia uma orquestração de discursos sobre uma
viabilidade que o próprio EIA não confirma. Fiéis a princípios de ética e
precaução, temos a obrigação de dizer para a sociedade que não há certezas
técnicas que assegurem a viabilidade da construção de Belo Monte ou
determinem o seu custo.

E não compactuamos com as "cegas" decisões geradoras de desastres
consumados, como na hidrelétrica de Balbina (AM). Em Belo Monte,
destaca-se como paradigmática a situação da Volta Grande do Xingu,
considerada pelo Ministério do Meio Ambiente como área de importância
biológica extremamente alta (portaria 9, 23/1/07).
Se construída a barragem, essa área poderá sofrer uma redução drástica da
oferta de água e do lençol freático, comprometendo os modos de vida dos
povos indígenas Juruna, Arara e Xikrin e de milhares de famílias
ribeirinhas e destruindo toda a floresta de seu entorno e toda a
biodiversidade aquática e terrestre, incluindo espécies endêmicas da
ictiofauna e de cavernas que não foram estudadas.
Nem sequer há estudos que possam avaliar completamente o que ali
acontecerá, pois o EIA não os fez. Ademais, nenhum centímetro quadrado
dessas terras é assumido pelos empreendedores como área diretamente
afetada.

Os níveis de água no rio, no trecho a jusante da barragem principal,
teriam até cinco metros de diminuição, comprometendo a segurança hídrica
dessa região, simulação que fizemos para ter condições responsáveis de pôr
a dúvida sobre a mesa -de um projeto que, simultaneamente, alaga e "seca"
a Volta Grande do Xingu.
Nosso estudo não objetiva se posicionar contra hidrelétricas, mas apontar
problemas complexos de um projeto que se estende desde os anos 1980, mas
que não resolve as suas próprias falhas e contradições, sejam elas de
engenharia, sejam sociais, sejam ambientais.
Ninguém sabe o custo de Belo Monte. E, além de leis, resoluções e
portarias nacionais, recomendações e convenções internacionais referentes
à construção de barragens serão desrespeitadas caso a usina vá adiante:
Comissão Mundial de Barragens, Princípios do Equador e a convenção 169 da
OIT.
Apresentamos nossas considerações ao Ibama, buscando contribuir para um
Brasil desenvolvido, justo, equânime, em que a tomada de decisão esteja
baseada em avaliações competentes e transparentes.

SÔNIA BARBOSA MAGALHÃES, doutora em antropologia pela Universidade Federal
do Pará (UFPA) e em sociologia pela Universidade de Paris 13, é professora
da UFPA.

FRANCISCO DEL MORAL HERNANDEZ, mestre em energia pela USP, é pesquisador
do Instituto de Eletrotécnica e Energia da USP.









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Cláudia Franco
55-61-9989 5019



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Prof. Renata Marson Teixeira de Andrade, PhD
Universidade Católica de Brasília
SGAN 916 Campus 2 Sala A 222
Brasília, DF



2 comments:

Alexandre Moura said...

Esse artigo para mim dexia claro que os instrumentos de gestão por mais eficientes que sejam esbarram em questões políticas. Acredito que para chegarmos a um ponto ,pelo menos ideal,precisamos viver em finção da coletividade, ou então o BRasil deve revolucionar em um custo espaço de tempo outras formas de energia.

Angélica said...

Acho que a consciência ecológica está ganhando força a cada dia que passa. Mas o meio ambiente não é levado a sério como deveria. Quem sabe um dia, problemas sérios que nem esse citado na reportagem sejam evitados. Infelizmente o lucro ainda fala mais alto. Para uma gestão e um planejamento estratégico tem que se ter pessoal capacitado para esse fim.