Sunday, April 11, 2010

A revolução energética do século XXI

Autora: Emanuele Abreu
Revisores: Armando Teixeira, Antônio Guillermo, Bruno Dias e José Carlos A. Júnior


O começo do século coincide com o início de mais uma revolução energética desencadeada pelo encarecimento do petróleo e condicionada por três fatores:

· A proximidade do “pico do petróleo”, que se traduz pelo desnível entre o volume da sua produção e o das reservas recém-descobertas.

· A realização tardia de que a comunidade internacional deve promover uma política voluntarista e rigorosa de redução do consumo de energias fósseis para evitar mudanças climáticas deletérias e irreversíveis, causadas pela emissão excessiva de gases de efeito estufa.

· As incertezas e ameaças crescentes à paz decorrentes da geopolítica explosiva do petróleo.

Nenhuma das transições energéticas do passado se fez por causa do esgotamento físico de uma fonte de energia. A história da humanidade pode ser sintetizada como a história da produção e alocação do excedente econômico, ritmada por revoluções energéticas sucessivas. Todas elas ocorreram graças à identificação de uma nova fonte de energia com qualidades superiores a custos inferiores.

A nossa matriz energética reúne ainda hoje todas essas energias, embora os 150 anos da ascendência fulgurante do petróleo tenham transformado de uma maneira radical os estilos de vida e de consumo, imprimindo à nossa civilização feições perversas caracterizadas por um desperdício de energia, sobretudo no transporte, mas também no aquecimento e na climatização residencial.

Na revolução energética atual, nenhuma das energias alternativas oferece vantagens econômicas claras com relação ao petróleo e seus derivados. Ao mesmo tempo, o imperativo ecológico vai atuar com uma força cada vez maior, à medida que se afinam os contornos da crise desencadeada pelas mudanças climáticas.

Quer nos parecer ainda que no debate atual sobre as mudanças climáticas haja uma ênfase excessiva na busca de soluções de mercado e na incorporação nos preços dos custos ambientais. O princípio “poluidor pagador” não discrimina entre o pagamento de multa, de uma compensação às vítimas da poluição ou da reestruturação do aparelho produtivo de maneira a evitar poluições futuras. O mercado de créditos de carbono é objeto de críticas por parte dos movimentos ambientalistas, que contestam a possibilidade dada aos países industrializados do norte de se omitirem quanto à obrigação de reduzir as emissões de gases de efeito estufa mediante apoio a projetos às vezes duvidosos, financiados nos países do Sul, mediante Mecanismo de produção Limpa. A predileção pelos instrumentos econômicos não tem levado à adoção universal de taxas sobre o carbono, embora essas pudessem ter um efeito incontestável sobre o nível de consumo de energias fósseis.

As feições da revolução energética em marcha vão depender, portanto, da capacidade dos estados nacionais e da Organização das Nações Unidas de definir políticas públicas de âmbitos nacional e internacional voltadas ao tríplice objetivo da redução do perfil da demanda energética, do aumento da eficiência na produção e uso final das energias e da substituição das energia fósseis por energias renováveis, sem descartar o uso “limpo” das energias fósseis abundantes como o carvão, mediante o seqüestro dos gases de efeito estufa.

Sobriedade, eficiência e substituição

A energia que menos polui e que geralmente menos custa é aquela que deixa de ser produzida graças à adoção de um perfil mais sóbrio da demanda energética e à maior eficiência no uso final das energias produzidas. Os ecologistas enfatizam a necessidade de reduzir o volume do consumo material. Porém, o entrave principal está nas abissais desigualdades sociais.

A redução do perfil energético passa também pela produção de equipamentos mais eficientes, porém, a introdução de novas tecnologias requer tempo. No que diz respeito á substituição das energias fósseis por energias renováveis, as soluções hão de ser diversas, com proporções diferentes atribuídas às diversas fontes de energia, em razão das configurações de dotação em recursos naturais, de climas e do ritmo do progresso técnico.

Biocombustíveis: ouro verde?

O plano nacional de agroenergia do Ministério da Agricultura brasileiro prevê uma rápida expansão da produção do etanol e um ritmo mais lento para o biodiesel. O plano postula que as metas sejam alcançadas sem pôr em xeque a segurança alimentar, as exportações agrícolas, e sem recorrer ao desmatamento para criar novas áreas de cultivo.

Embora a substituição dos derivados de petróleo por biocombustíveis contribuía em princípio para a redução das emissões dos gases de efeito estufa, é necessário atentar às condições de sua produção. Essas podem ter impactos tão negativos sobre o meio ambiente que o saldo da operação seja negativo.

O impacto ambiental da produção de biocombustíveis vai depender dos cultivos escolhidos, da maneira como são cultivados e processados. O resultado pode levar tanto a uma redução de 90% das emissões de gases estufa quanto a um aumento de 20%.

À guisa de conclusão

A revolução energética do século XX mal está começando. O que pode afirmar é que a transição da era do petróleo ao pós-petróleo será longa e que é difícil antecipar o seu transcurso.

A extrapolação das tendências de consumo de energias fósseis poderá levar a catástrofes naturais de proporções desconhecidas. Daí a importância de conseguir simultaneamente a redução drástica do perfil da demanda energética, a substituição significativa das energias fósseis por energias não poluentes e, o sequestro de uma parcela significativa dos gases com efeito estufa.

Ao entrarmos na fase da promoção intensiva dos biocombustíveis, devemos desenhar políticas públicas que aproveitem as margens de liberdade existentes para direcionar a agroenergia e a indústria dos biocombustíveis. Dessa forma, os projetos de bioenergia devem ser selecionados com base em critérios ambientais e sociais que transcendendo o custo/benefício tradicional.

SACHS, Ignacy. A revolução energética do século XXI. Estudos Avançados. São Paulo, v. 21, n. 59, Apr. 2007.

17 comments:

Brasil said...

Baseado no texto postado pela colega Emanuelle Abreu, a saber, “A Revolução Energética do Século XXI, conclui-se que os países devem atingir um patamar de crescimento baseado em fontes renováveis de energia eliminando de vez as energias sujas que só trazem prejuízos para a humanidade. As políticas públicas têm que ser direcionadas para esse novo foco de sustentabilidade.
De um modo geral, os seres humanos consomem em ritmo acelerado as reservas naturais colocando em risco a própria espécie. As mudanças climáticas são evidentes e mesmo assim não se tem políticas concretas voltadas para o uma revolução sustentável de energia. A política deve atingir o público nas suas mais diversas camadas criando uma consciência voltada para a sustentabilidade que deve ser aplicada já para não comprometer o futuro da humanidade.

José Carlos said...

É interessante refletir na questão citada no texto sobre as transições energéticas não terem sido causadas pelo esgotamento físico de uma determinada fonte de energia. Atualmente, o que é considerado é o custo inferior e a qualidade da energia utilizada. Desta forma, observa-se a dificuldade que as energias renováveis irão enfrentar no futuro, uma vez que nem sempre são consideradas baratas se comparadas com o petróleo. Outro ponto abordado é o cuidado necessário na produção de novas energias. Caso não seja planejada adequadamente e de forma integrada, a considerada "solução" pode acarretar em problemas tão graves como os atuais.

Debora said...

A revolução energética começa no seculo XX, e hoje no seculo XXI já podemos dizer que temos algumas fontes de energia se esgotando, embora eu pergunte: a susbstituição já são deveria estar sendo feita ou não será feita com o uso dos biocombustiveis, pre-sal ou até mesmo com a energia gerada por tecnologias nucleares?

WJr. said...
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WJr. said...

Realmente nesse século XXI, o foco será encontrar uma fonte energética que atenda a sustentabilidade e o custo econômico. Iremos nos deparar com um palco de "brigas" constantes entre os respectivos empresários dos setor energético. Um dos autores principais dessa briga, concerteza, serão os "empresários do petróleo". Que o bom senso esteja presente nos tomadores de decisão do governo, e entre os consumidores.

Luciano Fonseca said...

Ao longo da história os impérios buscavam a conquista de novos povos com a intenção de de ter mão de obra disponível para o trabalho pesaddo, ou seja, dispor de ENERGIA. Na medida que a sociedade evolui aumenta o consumo individual de energia, isto está diretamente relacionado a conquista da melhor qualidade de vida e acesso ao mundo do consumo. Portanto, o que se espera dos governos são políticas públicas, já que estes são detentores dos mecanismos de controle capazes de buscar fontes alternativas de baixo carbono, para que a ECONOMIA não esteja baseada na energia proveniente do petróleo.

Andréa Bartonelli said...

A meu ver “a revolução energética do século XXI” passa necessariamente, antes, por uma revolução cultural em que a integração e a complementaridade seja a tônica assertiva do processo. Ou seja, a análise e intervenção pelo modelo cartesiano perderam as condições necessárias para darem respostas às questões que se apresentam. A meu ver, enquanto discutirmos a substituição de uma matriz por outra; enquanto pensarmos e estruturarmos políticas concentradoras de produção e distribuição; enquanto nos desviarmos de enfrentar as questões essenciais em sinergia com o consumo e a concentração humana, não adiantará insistirmos em discussões estéreis e até beligerantes da substituição de uma matriz suja por outra “limpa

Dilma Bowen said...

As substituições das fontes de energia não deixaram, ainda, de serem uma forma de imperialismo. Cada um puxa a sardinha para o seu lado! O Brasil para as fontes limpas, visto que já há algum tempo vem investindo neste tipo de energia, por decorrencia de suas condições naturais "... berço esplêndido...". Os países europeus, em energia núclear. Os países do oriente médio, em energia fóssil. Mas, enquanto o PIB estiver desconsiderando as variáveis ambientais, ficaremos apenas em conversas e controversas. O que move o mundo não é o bem estar da humanidade.

Ivan Freitas said...

Enquanto uma nova fonte de energia ideal (limpa, barata e abundante) não for desenvolvida, as próximas gerações devem aprender a conviver com uma matriz energética cada vez mais diversificada, com a concorrência de uma multiplicidade de energéticos, com predominância das fontes renováveis.

A conservação de energia vai continuar a ser, por mais algum tempo, a fonte de energia mais barata e mais limpa (ou com menor potencial dano ao meio ambiente) a que temos acesso, assim como deve aumentar a concorrência por terras agrícolas para produção de alimentos e/ou insumos energéticos (etanol, biodiesel, reflorestamento).

Todas as soluções energéticas apontadas para o século XXI resultam em elevação da demanda e do impacto sobre os recursos hídricos, em concorrência com o processo de crescente urbanização.

Eric said...
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Eric said...

A éra do pós-petróleo possivelmente só aparecerá o dia em que o mesmo começar a se esgotar, pois embora seja poluente o petróleo é uma fonte de energia muito eficiente. O Biocoimbustivel, que é visto como substituto do petróleo requer uma maior quantidade para produzir a mesma quantidade de energia.

Adilson said...

Um aspecto que vale a pena ressaltar é que a revolução que poderia ser ocasionada pela incrementação dos biocombustíveis no campo, que Sachs chama de “novo ciclo de desenvolvimento rural gerador”, além dos benéficos ambientais, esse ciclo poderia resolver outros problemas de países periféricos como o Brasil, no caso, a questão da favelização das cidades e o desemprego. Como se daria isso? A criação de empregos no campo seja pelas empresas ligadas à fabricação de biocombustíveis, seja pela reforma agrária poderia provocar um movimento inverso de migração campo-cidade, fazendo com que as pessoas voltassem ao campo em busca de uma vida melhor. Contudo, para que isso signifique melhoria de vida para esses migrantes, esse desenvolvimento rural deve levar em conta as questões sociais e ambientais. Portanto, se essas questões fossem levadas em consideração, a produção de biocombustíveis poderia desenvolver o Brasil a partir de seu maior ‘capital’: seu meio ambiente. Quiçá isso nós possamos chamar de desenvolvimento sustentável!?

Marcelo Wolter said...

Em linhas gerais, o uso abundante e abusivo de petróleo não diminuirá enquanto este der lucro aos seus produtores e a todos os mercados que o utilizam. A variável econômica sempre pesou mais que a variável ambiental. Enquanto esse valor econômico falar mais alto que o valor ambiental, nossas brigas não serão tão significativas. Não é possível uma revolução energética sem essa mudança de paradigma. A conscientização ambiental tem que falar mais alto que engordar nossas contas correntes. Enquanto não encontrarmos uma fonte de energia tão barata e tão rentável como o petróleo, nossa dependência desse ouro negro se manterá até que suas fontes esgotem.

Nanci Ambiental said...

A matriz energética vai se moldando conforme as necesidades do mercado e suas tendências. Verificamos que o texto mostra claramente que não houve esgotamento de nenhuma das fontes que eram utilizadas de energia, mas sim, transformações em sua forma de produção, ou seja produções mais limpas. Do ponto de vista do mercado, isso foi um dos grandes marcos, abrindo portas para outros tipos de exploração.

Hélio Vitor said...

Mais uma vez entramos no ponto de que quanto mais tecnologia o país possui, mais limpas são suas fontes de energia. No entanto, isso não significa que esses utilizam menos energia que os países com menos tecnologia.
E não se pode ignorar (como dito pelo Marcelo), que enquanto não existir uma fonte de renda tão rentável como o petróleo, esse continuará sendo o principal recurso utilizado para tal. Porém, a utilização de novas fontes (biocombustível, etanol...) nos mostra que existe a preocupação de se buscar novas fontes, independentemente de ser por questão financeira ou não, pois já é algo que impacta menos ao meio ambiente (se usado de forma correta).

Anonymous said...

O interessante de todos os comentários tecidos pelos colegas é de que há um consenso de que se a revolução energética não é sentida por todos, pelo menos todos a veem como necessária. Mas será que, à medida que a revolução energética passa por uma revisão de hábitos de consumo da sociedade, estamos fazendo parte dela? Esta é uma revolução que parte deve partir de iniciativas individuais ou demarcada por governos e políticas energéticas? O fato é que a mudança é necessária e já começou.

Cilma Azevedo said...

Concordo com o posicionamento de todos os colegas. Acredito que por meio do fortalecimento do consumo consciente poderemos estimular aos empresários a optarem por limpar sua matriz energética e buscarem a ecoeficiencia em seus processos produtivos. Além disso, o governo deverá criar condições favoráveis para a priorização da utilização dos biocombustiveis na matriz energética nacional. Isto chega a ser utopia perante a priorização dos aspectos econômicos em detrimento aos sociais e ambientais. Quem sabe um dia evoluiremos rumo a desenvlvimento sustentável?!!!!!!